De campeã nacional a  relíquia esquecida: Um olhar sobre a Fanfarra Tradicional de Alagoinhas.

De campeã nacional a relíquia esquecida: Um olhar sobre a Fanfarra Tradicional de Alagoinhas.

Mesmo com quase 30 anos de existência e um percurso marcado por  momentos célebres,  a relevância cultural  da Tradicional ainda é desconhecida por grande parte dos Alagoinhenses.

A história da Tradicional de Alagoinhas permaneceu obscura e distante do olhar público durante quase todos os seus 30 anos. Seja devido ao desinteresse automático da população por assuntos pertinentes à cultura, ou por efetivamente não existir divulgação ativa de tópicos culturais na cidade, a trajetória da associação, e o caminho conturbado que percorreu sempre estiveram distantes do conhecimento geral do cidadão Alagoinhense.

Longe de ser apenas um grupo musical que desfila  no 7 de setembro, a fanfarra carrega  importantes prêmios e uma honraria municipal de grande relevância, além, é claro, de uma trajetória repleta de dificuldades, que vão desde a constante carência financeira e a falta de suporte do poder público até a luta contra o mundo das drogas. O Intera News mergulhou na história da associação para trazer ao público um novo olhar sobre seu percurso, e revelar a importância da instituição para a formação social e educacional dos jovens de Alagoinhas.   

Origem, trajetória e prêmios

Fundada  oficialmente em 2 de Julho de 1992, a Tradicional surgiu como uma iniciativa de Paulo Silva Batista e Josenilson Ferreira (conhecido como Picó), que, através de um acordo com o então prefeito Chico Reis e a Secretária de Cultura Iraci Gama, buscavam fundar uma nova Fanfarra na cidade, uma vez que a FANCEFPA, Fanfarra do Senai da qual faziam parte, havia sido descontinuada. 

O novo grupo foi batizado  inicialmente de  FAMA ( Fanfarra Municipal de Alagoinhas), e nascia sob a direção de Paulo e Josenilson, contando com os instrumentos que os dois haviam recuperado  após o encerramento da antiga fanfarra. 

Mesmo tendo um começo tímido e estando equipada com instrumentos básicos, a banda  dava os primeiros passos rumo ao sucesso em campeonatos. Já no ano seguinte, 1993, sagrou-se campeã baiana na competição regional do CINFANCAM e se classificou para o Nacional em São Paulo, onde conquistou a sexta colocação. 

O ponto alto, no entanto, viria em 94. Participando (e sendo novamente campeã) da competição baiana, a tradicional  se classificou mais uma vez para o Nacional e venceu  a competição com glória, ganhando o título de campeã brasileira na categoria de fanfarras simples com evolução. 

O prêmio nacional deu ao  grupo bastante prestígio na cidade e lhe  rendeu  o título de utilidade pública municipal, uma condecoração de grande importância que viria  a calhar mais a frente, na conquista de verba para um projeto junto ao município.

A boa performance em competições não se limitou aos títulos já citados. Entre vários prêmios ganhos em campeonatos, destacam-se os títulos baianos de 95, 98 e 99. Também os títulos conquistados na última década, em 2011 e 2013, e o recente título baiano pela AFAB em 2019.

A dificuldade financeira e o projeto social com o município

Apesar da performance notável em competições e da coleção de prêmios acumulada, a caminhada da Tradicional foi marcada por constantes dificuldades, quase sempre desconhecidas publicamente.

Carência de instrumental e fardamento de qualidade foram um dos  problemas que o grupo enfrentou durante muito tempo. Por diversas vezes, a banda se apresentou e disputou competições com material emprestado. Isso prejudicou a performance da fanfarra em campeonatos durante toda a década de 2000, e o problema só viria a ser parcialmente resolvido em 2006, com a ajuda caridosa da ONG PRENOFAM e de seu Presidente, Roberto Veloso.

A PRENOFAM se tornou parceira valiosa da Tradicional, apoiando o grupo com ajuda de custo, transporte e material nos momentos de maior dificuldade financeira, outros dos problemas q assolaram continuamente a banda.

A falta de verba sempre foi a pedra no sapato da Tradicional. Segundo o Presidente, Paulo Batista, a maior parte do apoio financeiro que a banda recebeu ao longo dos anos veio do seu bolso e também do Vice-Presidente, Picó, além do suporte constante de  Roberto Veloso. 
Paulo afirma também  ter tirado dinheiro do próprio bolso para custear a reforma da sede da associação em 2019, devido à necessidade de reparos urgentes na estrutura. “ Eu investi quase 20 mil reais na reforma da sede, e tenho como provar. Mas eu me arrependo, porque isso faz falta em casa “, diz, em conversa com o Intera News.

Além de ter investido dinheiro na manutenção da fanfarra, o presidente também dedicou tempo e esforço pessoais na busca de  instrutores de qualidade para a banda, bem como  na reeducação e formação de um novo corpo de alunos em 2016, e na criação de um projeto social de extrema importância para as escolas do município.
O “Música, educação e cidadania” foi um projeto desenvolvido em parceria com as Secretarias de cultura e educação — na época encabeçadas por Iraci Gama e Fabrício Faro —  durante a primeira gestão do Prefeito Joaquim Neto, e visava trabalhar educação musical em 3 escolas do município, contemplando alunos de diversas faixas etárias.

A iniciativa buscava promover iniciação musical aos alunos, bem como montar uma nova formação para a banda principal da Fanfarra, ao aproveitar os estudantes que mais se destacassem nas aulas, além de também formar uma nova  banda Juvenil.

Apesar de ter surgido de um chamamento público e contar com o apoio das secretarias, a execução do projeto não saiu como planejado. A saída precoce de   Fabrício Faro da pasta da educação e a sucessiva troca de secretários que se seguiu fragilizaram a parceria Tradicional/SEDUC, o que dificultou a aquisição do instrumental necessário para realizar o projeto nas escolas, uma vez que o material seria providenciado pela secretaria.

Com verba já limitada e carência de instrumental, Paulo e Picó resolveram dar início às atividades de forma improvisada, pois já haviam firmado um acordo com o município e contratado um maestro de Atibaia-SP para participar do trabalho.

Porém, mesmo com os esforços da diretoria e dos profissionais envolvidos, as atividades duraram pouco tempo, pois a verba adquirida com o chamamento chegou ao fim e não havia mais possibilidade de  manter a remuneração da mão-de-obra. Sem recursos financeiros, tornou-se impossível pagar pelo trabalho do Maestro, que se viu desempregado e sem condições de sustentar a família.

O presidente conta que após este período houveram tentativas de reavivar o projeto, sempre  buscando  reatar a parceria com as secretarias e firmar um acordo sólido com o poder público, e apesar do pouco progresso obtido na empreitada, a instituição conseguiu atrair o olhar do  Prefeito Joaquim Neto, que de acordo com Paulo  prometeu uma reunião com a diretoria da banda para discutir  questões relativas ao programa.

Paulo pontua com firmeza  que a necessidade de um apoio sólido da gestão municipal é crucial para  a fanfarra. Sem isso, o grupo é incapaz de continuar em funcionamento e corre   o risco de encerrar as atividades por completo, o que traria grande prejuízo para o cenário cultural da cidade, bem como para as dezenas de jovens que estão de alguma forma ligados à fanfarra, e que tiveram suas vidas transformadas por ela.

Tradicional: um instrumento de transformação social

Pelas fileiras da banda já passaram mais de 4 mil alunos”.  É o que diz o Presidente em um áudio ao Intera News, destacando a soma espantosa de pessoas que a fanfarra já acolheu. 

O número impressiona e desperta atenção de imediato, não apenas por seu volume, mas por também ressaltar a potência da instituição como entidade social. 

A função da banda por vezes transcende o ensino da  música e da ordem unida, como poderia pensar um observador superficial. Sua existência alcança os jovens a nível social, moral e até familiar, por meio dos laços interpessoais que são formados no dia-a-dia das atividades, e pelas lições que aprendem através da música, da disciplina e do contato com os professores.

As histórias de vida que marcaram a banda são tão antagônicas quanto os momentos que marcaram o grupo . Ao longo de quase 30 anos,  a fanfarra  recebeu alunos com graus de escolaridade e realidades sociais diversas, servindo como trampolim para o sucesso de alguns, ao prover formação musical e  cultural, ou apenas como porto seguro para outros, tirando-os de situações sociais periclitantes e muitas vezes irreparáveis.

Ao longo da retrospectiva que faz para o Intera, Paulo nunca deixa de pontuar —entre memórias duras e momentos célebres— o papel de educação e formação social que a Tradicional assumiu, quase indiretamente, com os jovens de Alagoinhas. O presidente se emociona ao lembrar das situações de vida de alguns alunos e das  histórias que o tocaram pessoalmente, tendo elas finais felizes ou trágicos.

São as histórias trágicas, no entanto, que enunciam a importância social  da instituição. Sendo ele mesmo participante destas histórias, Paulo cita o triste envolvimento de alunos com o mundo das drogas e da criminalidade, e as batalhas que travou para resgatá-los. Combates que nem sempre venceu. 
Fala também sobre a vida de alunos com situações familiares conturbadas, que encontraram alento e conselhos nas figuras dos mentores da banda, e reafirma  o ambiente de escape e confraternização que a associação proporciona a muitos jovens em situação de vulnerabilidade social. “ Eu já tive alunos que preferiam estar na fanfarra do que estar em casa, onde passavam por diversas situações. Era o momento em que eles estavam felizes.”

A narrativa de Paulo também contempla as histórias de triunfo de alguns alunos, que após passarem pela banda progrediram imensamente nas carreiras e vida pessoal, alguns até se tornando figuras públicas de renome na cidade. O fato emociona e orgulha o Presidente, que se preocupa com o legado que deixará para o grupo quando já não estiver mais presente.

A minha grande preocupação é que não aconteça o legado, sabe? […] Eu quero deixar algo pronto, que tenha uma continuidade, que a gente possa olhar pra trás e pensar ‘poxa, valeu a pena ter feito esse trabalho’ ”. 

Apesar do tom desolador que recobre sua fala, o dirigente e a diretoria  aguardam com ansiedade a reunião com o Prefeito , pois o apoio do poder público  é o único recurso a que podem recorrer para  salvar a banda do esquecimento. 

Paulo é categórico em afirmar que não existe outra alternativa, e reza para que o acordo se concretize, pois o fim da história da Tradicional representa também  o fim de um legado cultural e a morte de um importante aliado do município na educação do cidadão Alagoinhense.

Por Jader Alves .

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